domingo, 26 de setembro de 2010

Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?



A contribuição de Newton Duarte nesse texto é de extrema relevância para compreendermos como existem estratégias educacionais enunciadas em nossos tempos: o aligeiramento dos conteúdos disciplinares e dos próprios cursos oferecidos para a formação de professores em nosso país, as medidas paliativas em nossa política educacional, projetos educacionais elaborados e pensados por uns (distantes da realidade) e excecutados por outros (divisão social do trabalho) etc. Isso se traduz em fragmentação e minimização do conhecimento produzido historicamente pela humanidade, pois, sem dúvida é um projeto de negação do Conhecimento e fortalecimento do caráter ideológico-fatalista da educação que visa manipular as consciências de nossos alunos (as), em formação. E isso é extremamente perigoso, principalmente se o (a) professor(a) não tem uma leitura ampla e emancipatória do seu fazer docente.

Boa Leitura, amigos(as)! 

(...)
Primeira Ilusão:
O conhecimento nunca esteve tão acessível como hoje, isto é, vivemos numa sociedade na qual o acesso ao conhecimento foi amplamente democratizado pelos meios de comunicação, pela informática, pela Internet etc.
Segunda Ilusão:
A capacidade para lidar de forma criativa com situações singulares no cotidiano ou, como diria Perrenoud, a habilidade de mobilizar conhecimentos, é muito mais importante que a aquisição de conhecimentos teóricos, especialmente nos dias de hoje, quando já estariam superadas as teorias pautadas em metanarrativas, isto é, estariam superadas as tentativas de elaboração de grandes sínteses teóricas sobre a história, a sociedade e o ser humano.
Terceira Ilusão:
O conhecimento não é a apropriação da realidade pelo pensamento mas sim uma construção subjetiva resultante de processos semióticos intersubjetivos nos quais ocorre uma negociação de significados. O que confere validade ao conhecimento são os contratos culturais, isto é, o conhecimento é uma convenção cultural.
Quarta Ilusão:
Os conhecimentos têm todos o mesmo valor, não havendo entre eles hierarquia quanto à sua qualidade ou quanto ao seu poder explicativo da realidade natural e social.
Quinta Ilusão:
O apelo à consciência dos indivíduos, seja através das palavras, seja através dos bons exemplos dados por outros indivíduos ou por comunidades, constitue o caminho para a superação dos grandes problemas da humanidade. Essa ilusão contém uma outra, qual seja, a de que esses grandes problemas existem como conseqüência de determinadas mentalidades. As concepções idealistas da educação apóiam-se todas nessa ilusão. É nessa direção que são tão difundidas atualmente pela mídia certas experiências educativas tidas como aquelas que estariam criando um futuro melhor por meio da preparação das novas gerações. Assim, acabar com as guerras seria algo possível através de experiências educativas que cultivem a tolerância entre crianças e jovens. A guerra é vista como conseqüência de processos primariamente subjetivos ou, no máximo inter-subjetivos. Nessa direção, a guerra entre EUA e Afeganistão, por exemplo, é vista como conseqüência do despreparo das pessoas para conviverem com as diferenças culturais, como conseqüência da intolerância, do fanatismo religioso. Deixa-se de lado toda uma complexa realidade política e econômica gerada pelo imperialismo norte-americano e multiplicam-se os apelos românticos ao cultivo do respeito às diferenças culturais.
Para concluir, esclareço que tenho consciência das limitações desta apresentação. Afirmar que as idéias acima enunciadas constituem-se em ilusões da sociedade do conhecimento gera a necessidade de apresentar uma análise detalhada, bem fundamentada em teorias e em dados empíricos, de maneira a justificar tal afirmação. Não é difícil perceber que isso exigiria bem mais do que uma tarde de debates por mais rica que ela fosse. Entretanto, mesmo tendo consciência desse fato, optei por ao menos iniciar o debate usando o recurso da provocação. Essas idéias, acima apresentadas na forma de seis ilusões, têm sido tão amplamente aceitas, têm exercido um tal fascínio sobre grande parcela dos intelectuais dos dias de hoje, que o simples fato de questionar a veracidade das mesmas talvez já produza um efeito positivo, qual seja, o de fazer com que a adesão a essas idéias ou a crítica às mesmas deixe o terreno das emoções que sustentam o fascínio e a sedução e passem ao terreno da análise propriamente intelectual.
É preciso, porém, estar atento para não cair na armadilha idealista que consiste em acreditar que o combate às ilusões pode, por si mesmo, transformar a realidade que produz essas ilusões. Como escreveu Marx: “conclamar as pessoas a acabarem com as ilusões acerca de uma situação é conclamá-las a acabarem com uma situação que precisa de ilusões”. 
[1] Trabalho apresentado na Sessão Especial intitulada Habilidades e Competências: a Educação e as Ilusões da Sociedade do Conhecimento, durante a XXIV Reunião Anual da ANPED, 8 a 11 de outubro de 2001, Caxambu, M.G.
[1] Livre docente em Psicologia da Educação, UNESP, campus de Araraquara. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar no período de junho/1999 a maio/2001, reeleito para o período de junho/2001 a maio/2003. E-mail: newton.duarte@uol.com.br

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